sexta-feira, 31 de julho de 2009

Texto de Abertura por Dra. Maria Ivone dos Santos

Pormenores entre passagens


Sempre dói quando batemos o minguinho. Porque aproximar o leite do dente? Saibam que é a costura na pele que impede que o mundo todo entre no corpo.
Pois as distintas formas das sensações parecem ser motivos das relações que aqui hoje vemos tramadas. Qual é a diferença entre um pedaço de carne salgada, enrolado delicadamente e fechado com fita mimosa e a fotografia de uma longa linha de sutura na carne de um corpo? Lembrei das pinturas do Rembrandt, fartas pinceladas constituindo a carcaça de um animal. A frontalidade da carne crua já produzia seus escândalos. O que se produz nas entrelinhas de imagens e nos depósitos de matéria que vizinham? O que dos resíduos calcinados sai conversando com as pregas e suturas da imagem fotográfica?
Pois parece ser no trânsito entre situações materiais e imagens capturadas, entre recortes e pontos de dor que se desenvolve esta poética. Jéssica é hábil escultora de sensações, sabendo fazer-nos penetrar no seu mundo com a mesma familiaridade com a qual manipulava o barro com que construía suas figuras. Na instalação concebida para esta ocasião, como cenografia de um espaço mental potente, nos tornamos passantes de sua estranha zona. Como um Stalker talvez, enfrentando os obstáculos de uma forte experiência. Pois ao propiciar emoções tão intensas de contato, touché e ocasião, para além do real e como vivência é que Jéssica constitui uma região na qual reinam os paradoxos e a incongruências.
Estando no trânsito do sensorial, do real e na potência de nosso imaginário, abrimo-nos às reflexões sobre a transitoriedade do fugaz presente, de um corpo que nasce e morre. Nestas passagens da alma não há espaço para amenidade e a poeira pouco a pouco se instala. O ar falta à imagem. Obstruído o peito aperta. Quem lança o potente projétil para estampar a dor que nunca se estanca? Talvez só a partilha sensível, o trabalho ao mesmo tempo material e virtual da recepção da imagem e da comunhão, torne possível a compreensão das delicadas zonas de transição na qual o que é de fato importante fixa-se em nossas mentes. Lembremos, diante da nossa performance de espectadores, que talvez nosso cérebro seja a tela de nossas mais inusitadas projeções e o lugar da chegada de uma origem lançada nas águas do tempo e passando por lugares remotos.

Maria Ivone dos Santos

Artista plástica, Doutora em Artes pela Universidade de Paris I Panthéon - Sorbonne, Professora no Departamento de Artes Visuais e no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS

quinta-feira, 30 de julho de 2009

EXPOSIÇÃO "PORMENORES" GOETHE-INSTITUT, Indicação Prêmio Açorianos 2008

DE 11 DE SETEMBRO A 05 DE OUTUBRO DE 2008 Uma visão cuidadosa sobre a temporalidade dos pormenores cotidianos. Assim a presente proposta expositiva posiciona-se na arte contemporânea, explorando linguagens, simbolismos e meios expressivos desta. Em continuidade do trabalho que venho desenvolvendo no campo das artes visuais, mais especificamente, na área da escultura e espaço, onde atuo, entre outras questões, na pesquisa teórica e empírica de signos artísticos, é que PORMENORES se apresenta em minha trajetória . Voltada para tal tema a partir das criações realizadas em meu projeto de conclusão de graduação (Artes Visuais – Ênfase Escultura-IA/UFRGS, 2006) e firmando-se com a participação em mostras coletivas, o interesse e exploração do signo como elemento artístico de sentido e significado (PANOFSKY, 1976) veio a se consolidar com a realização da mostra individual Pequenos Delitos (Porão do Paço Municipal de Porto Alegre, Dezembro de 2007/Janeiro de 2008) a qual recebi duas indicações para o Prêmio Açorianos 2008 (Categorias Escultura e Artista Revelação). Desta forma, nesta oportunidade, trago ao Goethe-Institut de Porto Alegre uma mostra híbrida em linguagens, materiais, técnicas e, especialmente, significados. Composta por seis peças individuais que se enredam na conjuntura geral da exposição, PORMENORES expõem-se através de fotografias plotadas, objetos (esculturas), e instalações, arranjadas numa espécie de espaço cênico. Procurando proporcionar estranhamento ao até então familiar, a proposta utiliza-se de recursos de iluminação direcionada e resgate de simbologias da história da arte, como o veludo vermelho, fazendo, por vezes (assim como em outras exposições minhas) analogias referenciais ao período Barroco desta. Utilizando recortes do dia-a-dia, como um dente perdido, uma cirurgia recente, uma vela queimada e pequenos “rolinhos” de charque sobre almofadas, PORMENORES atreve-se na mestiçagem entre o refinado e o comum, abusando do mundanismo da existência humana ao expor corpo e carne em sua condição mais temida, porém mais exata, a temporal. Assim sendo, acredito que a mostra poderá ser uma abertura ao paradoxal, ao mutável e à valorização do detalhe e do pormenor, seja ele um resgate histórico ou uma experiência cotidiana.

Ata-Me


Instalação

Charque, almofadas de veludo, fita de seda.

3 peças de 30X30X30cm

2008

Daquele que tem na Boca a Espada de Dois Gumes


Fotografia Backlight
80X60X10cm
2008

Daquele que é o Primeiro e o Último

Objeto
Caixa em MDF, vela, amido de milho, fogo
170X30X15cm
2007

O Mercador de Veneza II



Fotografia adesiva sobre suporte
170X40X10cm
2008

Vernissage