Pormenores entre passagens
Sempre dói quando batemos o minguinho. Porque aproximar o leite do dente? Saibam que é a costura na pele que impede que o mundo todo entre no corpo.
Pois as distintas formas das sensações parecem ser motivos das relações que aqui hoje vemos tramadas. Qual é a diferença entre um pedaço de carne salgada, enrolado delicadamente e fechado com fita mimosa e a fotografia de uma longa linha de sutura na carne de um corpo? Lembrei das pinturas do Rembrandt, fartas pinceladas constituindo a carcaça de um animal. A frontalidade da carne crua já produzia seus escândalos. O que se produz nas entrelinhas de imagens e nos depósitos de matéria que vizinham? O que dos resíduos calcinados sai conversando com as pregas e suturas da imagem fotográfica?
Pois parece ser no trânsito entre situações materiais e imagens capturadas, entre recortes e pontos de dor que se desenvolve esta poética. Jéssica é hábil escultora de sensações, sabendo fazer-nos penetrar no seu mundo com a mesma familiaridade com a qual manipulava o barro com que construía suas figuras. Na instalação concebida para esta ocasião, como cenografia de um espaço mental potente, nos tornamos passantes de sua estranha zona. Como um Stalker talvez, enfrentando os obstáculos de uma forte experiência. Pois ao propiciar emoções tão intensas de contato, touché e ocasião, para além do real e como vivência é que Jéssica constitui uma região na qual reinam os paradoxos e a incongruências.
Estando no trânsito do sensorial, do real e na potência de nosso imaginário, abrimo-nos às reflexões sobre a transitoriedade do fugaz presente, de um corpo que nasce e morre. Nestas passagens da alma não há espaço para amenidade e a poeira pouco a pouco se instala. O ar falta à imagem. Obstruído o peito aperta. Quem lança o potente projétil para estampar a dor que nunca se estanca? Talvez só a partilha sensível, o trabalho ao mesmo tempo material e virtual da recepção da imagem e da comunhão, torne possível a compreensão das delicadas zonas de transição na qual o que é de fato importante fixa-se em nossas mentes. Lembremos, diante da nossa performance de espectadores, que talvez nosso cérebro seja a tela de nossas mais inusitadas projeções e o lugar da chegada de uma origem lançada nas águas do tempo e passando por lugares remotos.
Sempre dói quando batemos o minguinho. Porque aproximar o leite do dente? Saibam que é a costura na pele que impede que o mundo todo entre no corpo.
Pois as distintas formas das sensações parecem ser motivos das relações que aqui hoje vemos tramadas. Qual é a diferença entre um pedaço de carne salgada, enrolado delicadamente e fechado com fita mimosa e a fotografia de uma longa linha de sutura na carne de um corpo? Lembrei das pinturas do Rembrandt, fartas pinceladas constituindo a carcaça de um animal. A frontalidade da carne crua já produzia seus escândalos. O que se produz nas entrelinhas de imagens e nos depósitos de matéria que vizinham? O que dos resíduos calcinados sai conversando com as pregas e suturas da imagem fotográfica?
Pois parece ser no trânsito entre situações materiais e imagens capturadas, entre recortes e pontos de dor que se desenvolve esta poética. Jéssica é hábil escultora de sensações, sabendo fazer-nos penetrar no seu mundo com a mesma familiaridade com a qual manipulava o barro com que construía suas figuras. Na instalação concebida para esta ocasião, como cenografia de um espaço mental potente, nos tornamos passantes de sua estranha zona. Como um Stalker talvez, enfrentando os obstáculos de uma forte experiência. Pois ao propiciar emoções tão intensas de contato, touché e ocasião, para além do real e como vivência é que Jéssica constitui uma região na qual reinam os paradoxos e a incongruências.
Estando no trânsito do sensorial, do real e na potência de nosso imaginário, abrimo-nos às reflexões sobre a transitoriedade do fugaz presente, de um corpo que nasce e morre. Nestas passagens da alma não há espaço para amenidade e a poeira pouco a pouco se instala. O ar falta à imagem. Obstruído o peito aperta. Quem lança o potente projétil para estampar a dor que nunca se estanca? Talvez só a partilha sensível, o trabalho ao mesmo tempo material e virtual da recepção da imagem e da comunhão, torne possível a compreensão das delicadas zonas de transição na qual o que é de fato importante fixa-se em nossas mentes. Lembremos, diante da nossa performance de espectadores, que talvez nosso cérebro seja a tela de nossas mais inusitadas projeções e o lugar da chegada de uma origem lançada nas águas do tempo e passando por lugares remotos.
Maria Ivone dos Santos
Artista plástica, Doutora em Artes pela Universidade de Paris I Panthéon - Sorbonne, Professora no Departamento de Artes Visuais e no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS